Inácio estava com 12 anos, mas quem conversava com ele, podia pensar que tinha mais idade, devido a sua maturidade um pouco precoce, uma fisionomia tranquila e uma serenidade ao falar e gesticular. Observava tudo, para depois perguntar alguma coisa, raramente ficava irritado e demonstrava paciência em todas as situações que participava. Estava estudando em um colégio estadual na quinta serie. Suas notas eram boas, estudava pouco, mas usava muito a sua memória privilegiada, sendo um bom aluno que raramente faltava aulas. Tinha alguns amigos, e gostava de jogar xadrez, e todo o seu aprendizado neste jogo, foi de forma autodidata. Gostava da forma como se sentia desafiado pelo jogo e elaborar uma estratégia para jogar era a sua parte preferida.
Mas aquela quarta-feira era um dia especial. Sua primeira viagem sozinho. Não era uma viagem grande, mas era somente ele, mais ninguém. Documento de identidade estava impecável, porque era novo. E não havia a necessidade de nenhuma autorização, bastava seu documento. O motivo da viagem era visitar sua madrinha, em uma cidade a 250 km. Estrada totalmente pavimentada, em ótimas condições. Ônibus moderno, climatizado, wi-fi disponível, ótimas poltronas, em fim, tudo muito perfeito.
Seu pai, dois dias antes, passara na Rodoviária e comprara as passagens, ida e volta. O retorno seria no dia seguinte. Comprou o lugar numero 11, lado direito e janela. Para a volta, este mesmo lugar não estava disponível e o escolhido foi o numero 15, também janela e mesmo lado direito.
Entretanto a euforia era mesmo pelo fato de estar sozinho, sentindo-se dono do seu próprio nariz e sem sentir-se observado por alguém o tempo todo.
Seus pais, ambos trabalhadores de classe média baixa, dedicavam-se da melhor forma para uma educação adequada ao filho único. Sua mãe, uma pessoa religiosa e participativa de seu bairro, frequentadora da missa aos domingos e voluntaria das ações beneficentes promovidas pela Associação Comunitária e Igreja. O pai não tinha a mesma assiduidade nas missas, e eventualmente participava dos eventos, principalmente, nas atividades esportivas e da limpeza da sede. Formavam um casal, bem entrosado, respeitando-se um ao outro, e realmente gostavam-se.
A sua madrinha era viúva e irmã de seu pai. Uma mulher muito dedicada à vida familiar, mas que não pode ter filhos, por isso foi convidada pelo irmão para o batismo do sobrinho. Mas o amor e carinho dela pelo Inácio, era de mãe para filho e era capaz de fazer qualquer coisa pelo menino. Conversava com ele sobre todos os assuntos e estava sempre à disposição para ajudá-lo. Esperava ansiosa pela visita do afilhado.
Ele chegou à Estação Rodoviária, bem antes do horário do ônibus, por volta das 07h30min. O movimento de pessoas, naquele momento, era grande. Foi de coletivo até o terminal. Assim que o ônibus estacionou no box de partida, foi um dos primeiros passageiros a embarcar. Entregou a passagem para o motorista recebeu o seu canhoto e foi orientado que seu lugar era no andar superior. Subiu a escada é localizou o assento e sentou-se.
O movimento de passageiros no ônibus continuava. Ele abriu a cortina e estava distraído olhando tudo o que se passava pela janela. Em dado momento, olhou para o lado de dentro e viu aquele homem de terno marrom parado no corredor olhando para ele. Era alto e ficava curvado para não encostar-se ao teto do ônibus. Uma barba espessa e preta contracenava com a cor da sua roupa e do chapéu, de abas curtas e copa redonda. Seu terno estava impecável, liso e sem marcas. Suas mãos eram muito brancas, dedos finos e compridos e unhas aparadas. Não usava anel, aliança ou relógio. Seus olhos eram escuros e com um brilho cativante, mas não demonstravam simpatia, porém, era um olhar firme. Fez um pequeno aceno com a cabeça cumprimentando e seguiu em frente como outro passageiro qualquer, buscando seu lugar.
Foi neste momento que o motorista chegou à frente do corredor e apresentou-se: – Bom dia senhores passageiros! Sejam bem vindos! Meu nome é Volmir e vou conduzi-los nesta viagem. Lembro a todos que o uso do cinto de segurança é obrigatório por lei. Caso necessitem estou a disposição para auxiliar. Boa viagem!
O motorista deu partida no ônibus e a viagem começou.
Inácio virou-se para a janela e começou a acompanhar a paisagem e após alguns minutos adormeceu profundamente.
Sonhou.
Estava caminhando em uma praia. Mas não sabia o nome e o lugar. As coisas aconteciam mais devagar que o normal. Parecia que os carros andavam mais lentos. Os gestos das pessoas, ao caminhar e falar era como se estivessem submersas, mas sem água. Lentos. Até os animais eram mais lentos. Era estranho, mas não era desconfortável. Olhou para o lado, e na calçada oposta a sua um homem o observava fixamente. Era alto e tinha barba. Fisionomia conhecida, mas não conseguiu definir quem era. Fez sinal para parar. Inácio parou e ficou olhando para o homem. Em seguida o homem levantou o braço direito para cima, e com o esquerdo, tocou com a palma da mão estendida o lado esquerdo do peito e em seguida, estendeu o mesmo braço para o lado, fazendo um gesto amplo e depois, levantou ficando com os dois braços estendidos para cima, em seguida baixou-os e fez um pequeno aceno com a cabeça. Repetiu o movimento e em seguida gesticulou com a mão para que Inácio o imitasse. No instante seguinte os dois repetiram o movimento, após com um pequeno aceno o homem foi embora.
Acordou com o movimento do ônibus entrando na cidade. Que sonho estranho ele pensava.
Na rodoviária resolveu esperar um pouco para descer para ver novamente o homem de marrom, mas saíram todos os passageiros e ele não. Intrigado, perguntou ao motorista sobre o homem alto de terno, que vira dentro do ônibus, que respondeu: – Não havia nenhum passageiro com essa descrição.
Ele estava um pouco confuso e pensava: – Eu vi aquele homem de roupa marrom. Ele olhou-me e acenou com a cabeça! Ainda pensava nesse encontro estranho, enquanto caminhava para encontrar sua madrinha.
A saída da Estação Rodoviária era uma avenida de mão dupla, bem movimentada, com faixa de pedestres sinalizada e semáforo temporizado, acionado pelas pessoas, para atravessar a via.
Ele vinha caminhando ainda um pouco distraído, pensando no sonho e no homem de marrom. Ao chegar à avenida, lembrou-se do sonho e de forma mecânica, repetiu o movimento com os braços que o homem ensinara. Para as pessoas que iriam atravessar a rua, os gestos daquele garoto, pareciam querer dizer alguma coisa, mas não sabiam o que. Mesmo assim, ficaram paradas sem atravessar a rua, foi neste momento que tudo aconteceu. Dois carros em alta velocidade surgiram na avenida, barulho de motores, pneus derrapando, um baque surdo e barulhos de estilhaços.
Os dois carros, a poucos metros da faixa de pedestres, perderam o controle, chocara-se, derraparam e capotaram passando por cima da faixa e muito perto das pessoas que estavam paradas. Em seguida, a sirene da policia e uma viatura com muitos policiais, chega ao local, correm para os carros capotados e os tripulantes, ainda meio zonzos com o acidente, alguns com ferimentos leves, são algemados e conduzidos para a caminhonete. Uma segunda viatura chega, descem dois policiais, que se dirigem ao grupo de pessoas: – Sou o delegado da Policia Civil, e esses criminosos cometeram um assalto a uma joalheira e estavam sendo perseguidos. Há alguém ferido? Felizmente vocês não estavam atravessando a rua.
Algumas pessoas explicaram que viram um menino gesticulando do outro lado da rua e entenderam que ele estava sinalizando para que não atravessassem a rua e, por isso, não havia acontecido um acidente mais grave e com mais feridos. Começaram a procurar, mas não havia nenhum menino nas imediações.
Há algumas quadras dali, Inácio caminhava abraçado com sua madrinha, que a tudo assistira. Ela ao encontrá-lo disse-lhe: – Você está bem? Vamos para casa e no caminho me contas tudo.